O que vem do AR

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Nesta primeira edição do AR, perguntamo-nos de que maneira a programação poderia esboçar uma ideia sobre este momento tão pujante que está a viver o cinema argentino. E sim, este é um festival novo sobre o que de mais recente e inspirado se produz neste momento na Argentina. Na primeira década deste século, o cinema deste país despertou com uma enorme frescura criativa, resultado de um novo contexto político e económico, nem sempre estável, é certo, mas favorável à indústria cinematográfica. Com a renovação da narrativa como pano de fundo, nesta segunda década, observa-se um sentido subtil e refinado, que promete um futuro de diversidade e qualidade inquestionáveis.

Os filmes escolhidos são de 2014, quase todos inéditos e compõem um conjunto de seis longas-metragens de ficção, dois documentários e oito curtas-metragens selecionadas do projeto Sucesos Intervenidos, uma iniciativa do Museo del Cine Pablo C. Ducrós Hicken de Buenos Aires e cujo objetivo foi chamar a atenção para a digitalização de arquivos cinematográficos. Os documentários situam-se ambos numa zona menos tradicional; Carta a um Padre trabalha sobre a cartografia pessoal do próprio realizador e Living Stars leva a democratização do écrã ao mais extremo limite. As ficções são Mauro, de Hernán Roselli e La Salada, de Juan Martín Hsu, ambas primeiras obras de realizadores que dão passos bastante seguros na construção de um universo próprio, tanto a nível narrativo como estético ou temático. Dos Disparos de Martín Rejtman, El escarabajo de Oro de Alejo Moguillansky, La Princesa de Francia de Matias Piñeiro e Lulú de Luis Ortega são filmes de cineastas consagrados, com presença assídua nos principais festivais internacionais, que trabalham sobre a representação e a convenção, fundam e fintam barreiras, e colocam permanentemente o lugar-comum em tensão, ampliando os modos de contar uma história. O panorama destas ficções vai de Shakespeare a E. A. Poe, passando por um tiro na cabeça que não chega a matar e uma cadeira de rodas que, afinal, não é necessária.

Um festival focado no cinema de um só país deve ser mais que um festival de cinema, deve funcionar com base em dois pontos – de vista e de encontro. Por isso, o AR é o nosso olhar sobre o cinema argentino mas é também o ponto de encontro dos espetadores com o cinema deste país, com as suas idiossincrasias e estórias sempre vitais.

Esperamos que esta seja a primeira de muitas edições e vemo-nos no ano que (vai)vem.

 

Maria João Machado e Susana Santos Rodrigues